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Capítulo 9

Gestão da componente cardíaca

QUAIS SÃO AS CARATERÍSTICAS DO ENVOLVIMENTO CARDÍACO NA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE?

S. César Díaz

Atualmente, a principal causa de mortalidade dos doentes com DMD é a doença cardiovascular, devido à melhoria progressiva dos cuidados gerais e, especificamente, dos cuidados respiratórios.

A cardiomiopatia é a expressão cardíaca da deficiência de distrofina que leva à instabilidade do sarcolema e ao aumento dos níveis de cálcio intracelular, promovendo assim a apoptose e a fibrose1. Essa fibrose, predominantemente do ventrículo esquerdo, tem sido observada tanto em doentes com DMD como em mulheres portadoras da mutação2.

A evolução natural da doença cardíaca é no sentido da progressiva disfunção e dilatação ventricular, podendo conduzir à insuficiência cardíaca, morte súbita e arritmias3.

O grau de disfunção ventricular está geralmente relacionado com o grau de gravidade do envolvimento musculoesquelético e com a idade4.

Fases do envolvimento cardíaco

Classicamente, a doença cardíaca é descrita em três etapas4,5:

As arritmias podem estar presentes em qualquer fase, embora, na maioria das vezes, sejam detetadas em conjunto com o agravamento da insuficiência cardíaca4.

Os sintomas, neste contexto, podem incluir palpitações, taquicardia, tonturas e síncope.

QUANDO É RECOMENDADO INICIAR O ACOMPANHAMENTO CARDÍACO E QUE MEDICAMENTOS CARDIOVASCULARES SÃO INDICADOS PARA A DMD?

S. César Díaz

Os doentes com diagnóstico confirmado de DMD devem ser encaminhados para um cardiologista para iniciarem a avaliação cardiovascular (ecocardiograma, eletrocardiograma e análise de biomarcadores). Segundo os artigos publicados internacionalmente, é consensual que os exames cardiológicos devem ser realizados, pelo menos, uma vez por ano a partir da fase ambulatória inicial5. Em caso de deteção ou suspeita de envolvimento cardíaco (aparecimento de sintomas de insuficiência cardíaca ou alterações nos exames imagiológicos, como fibrose miocárdica ou dilatação e/ou disfunção do ventrículo esquerdo), a frequência dos exames deve ser aumentada em função dos resultados dos mesmos, independentemente da fase da doença5.

Em relação aos medicamentos cardiovasculares, o diagnóstico precoce e o tratamento do envolvimento cardíaco é importante para melhorar a qualidade de vida e a sobrevivência4-6.

Medicamentos conhecidos, como os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e os betabloqueadores, podem ajudar a reverter a remodelação do ventrículo esquerdo e também melhorar a sobrevivência de doentes com insuficiência cardíaca. As recomendações internacionais para o controlo cardiológico de doentes com DMD incluem o início de um inibidor IECA aos 10 anos de idade5,7,8.

Não existem terapias específicas para a cardiomiopatia no doente com DMD. Assim, as recomendações terapêuticas são as tradicionais para a insuficiência cardíaca e incluem um inibidor IECA ou um antagonista do recetor da angiotensina II, antagonistas do recetor mineralocorticoide (espironolactona, esplerenona) e betabloqueadores (carvedilol, metoprolol)4,7,9. As indicações e o uso de medicamentos antiarrítmicos em doentes com DMD são semelhantes aos dos doentes sem DMD4,7. Outros medicamentos mais recentes, que não foram avaliados especificamente para a população pediátrica com DMD, poderiam desempenhar um papel como adjuvantes no tratamento da insuficiência cardíaca. Esses medicamentos são o sacubitril/valsartan, atualmente em ensaios clínicos para a faixa etária pediátrica, e a ivabradina10,11. Atualmente, existem outras terapias disponíveis para as quais os doentes poderiam ser candidatos, tais como o cardioversor desfibrilador implantável, dispositivos de assistência ventricular mecânica e, em casos selecionados, transplante cardíaco4.

QUAL É A RECOMENDAÇÃO CARDIOLÓGICA PARA MULHERES PORTADORAS DE DMD?

S. César Díaz

As mulheres portadoras de uma mutação patogénica para a DMD estão em risco de desenvolver doença musculoesquelética e cardiomiopatia, embora as manifestações clínicas apareçam geralmente após os 25 anos de idade e sejam geralmente mais brandas do que nos homens12.

A estimativa é que aproximadamente 8% das mulheres portadoras tenham alguns sintomas ou algum grau de fraqueza muscular, com ou sem cardiomiopatia. Esta estimativa poderá ser maior, dada a falta de estudos e de acompanhamento regulado nas mulheres portadoras13.

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